Legislação

Novo Regime Geral de Proteção de Denunciantes de Infrações

 Vai entrar em vigor o regime que estabelece para as empresas e IPSS a necessidade de criar canais de denúncia interna - no fundo: procedimentos internos de receção e tratamento de denúncias. Mas que regime é este?

Entra em vigor no próximo dia 18 de junho o Regime Geral de Proteção de Denunciantes de Infrações, estabelecido pela Lei n.º 93/2921, de 20 de dezembro, que transpôs a Diretiva (UE) 2019/1937 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2019, relativa à proteção das pessoas que denunciam violações do Direito da União.

Esta lei define um regime de proteção dos denunciantes que denunciem ou divulguem publicamente infrações de que tenham conhecimento no âmbito da sua atividade profissional e estabelece os mecanismos de recolha e tratamento dessas denúncias, incluindo a obrigação de criação de canais de denúncia interna.

 

Quem se aplica

A obrigação de dispor de canais de denúncias é aplicável às pessoas coletivas, incluindo o Estado e as demais pessoas coletivas de direito público, que empreguem 50 ou mais trabalhadores (incluindo sucursais situadas em território nacional de pessoas coletivas com sede no estrangeiro).

As autarquias locais que, embora empregando 50 ou mais trabalhadores, tenham menos de 10.000 habitantes não têm de dispor de canais de denúncia.

 

Obrigações

As entidades referidas no ponto anterior têm a obrigação de dispor de um canal de denúncia interna.

Os canais de denúncias internas devem permitir a apresentação e seguimento seguros das denúncias, garantindo:

             i.     A exaustividade, integridade e conservação da denúncia;

           ii.     A confidencialidade da identidade ou o anonimato dos denunciantes e a confidencialidade da identidade de terceiros mencionados na denúncia;

          iii.     O impedimento de acesso de pessoas não autorizadas.

 

Os canais de denúncia interna são operados internamente, para efeitos de receção e seguimento de denúncias, por pessoas ou serviços designados para o efeito, podendo, no entanto, ser operados externamente, para efeitos de receção de denúncias.

As entidades que não sejam de direito público e que empreguem entre 50 e 249 trabalhadores podem partilhar recursos no que respeita à receção de denúncias e ao respetivo seguimento.

 

As denúncias podem ser apresentadas por escrito e/ou verbalmente, por trabalhadores, anónimas ou com identificação do denunciante. Quando a denúncia verbal seja admissível, os canais de denúncia devem permitir a sua apresentação por telefone ou através de outros sistemas de mensagem de voz e, a pedido do denunciante, em reunião presencial.

 

Uma vez recebida a denúncia, as entidades responsáveis pelos canais de denúncia têm de:

      i.     Notificar, no prazo de sete dias, o denunciante da receção da denúncia e informarem-no, de forma clara e acessível, dos requisitos, autoridades competentes e forma e admissibilidade da denúncia externa;

    ii.     Praticar os atos internos adequados à verificação das alegações contidas na denúncia e, se for caso disso, à cessação da infração denunciada, inclusive através da abertura de um inquérito interno ou da comunicação a autoridade competente para investigação da infração, incluindo as instituições, órgãos ou organismos da União Europeia;

   iii.     Comunicar ao denunciante as medidas previstas ou adotadas para dar seguimento à denúncia e a respetiva fundamentação, no prazo máximo de três meses a contar da data da receção da denúncia.

 

Para além de garantir a confidencialidade da identidade do denunciante e do denunciado, bem como das informações que permitam deduzir essas identidades (e que são de acesso restrito às pessoas responsáveis por receber ou dar seguimento a denúncias), as entidades têm ainda de observar o disposto no Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD), e manter um registo das denúncias e conservá-las, pelo menos, durante o período de 5 anos independentemente desse prazo, durante a pendência de processos judiciais ou administrativos referentes à denúncia.

 

Conceito de denunciante

Para efeitos deste regime, são considerados denunciantes as pessoas singulares que denunciem ou divulguem publicamente uma infração com fundamento em informações obtidas no âmbito da sua atividade profissional, independentemente da natureza desta atividade e do setor em que é exercida. As informações podem ter sido obtidas no âmbito de uma relação profissional entretanto cessada, bem como durante o processo de recrutamento ou durante outra fase de negociação pré-contratual de uma relação profissional constituída ou não constituída. Podem por isso ser considerados denunciantes:

     i.     Os trabalhadores do setor privado, social ou público;

    ii.     Os prestadores de serviços, contratantes, subcontratantes e fornecedores, bem como quaisquer pessoas que atuem sob sua supervisão e direção;

   iii.     Os titulares de participações sociais e as pessoas pertencentes a órgãos de administração ou de gestão ou a órgãos fiscais ou de supervisão de pessoas coletivas, incluindo membros não executivos;

   iv.     Voluntários e estagiários, remunerados ou não remunerados.

 

Infrações abrangidas

A denúncia pode ter por objeto infrações já praticadas, que estejam a ser praticadas ou cuja prática possa ser razoavelmente prevista, bem como tentativas de ocultação das mesmas, em diversas áreas, incluindo:

      i.     Contratação pública;

    ii.     Serviços, produtos e mercados financeiros e prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo;

   iii.     Segurança e conformidade dos produtos;

   iv.     Segurança dos transportes;

    v.     Proteção do ambiente;

   vi.     Proteção contra radiações e segurança nuclear;

 vii.      Segurança dos alimentos para consumo humano e animal, saúde animal e bem-estar animal;

viii.     Saúde pública;

   ix.     Defesa do consumidor;

    x.     Proteção da privacidade e dos dados pessoais e segurança da rede e dos sistemas de informação;

   xi.     Atoou omissão contrário às regras do mercado interno a que se refere o n.º 2 do artigo 26.º do TFUE, incluindo as regras de concorrência e auxílios estatais, bem como as regras de fiscalidade societária;

 xii.      A criminalidade violenta, especialmente violenta e altamente organizada, bem com os crimes previstos no n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, que estabelece medidas de combate à criminalidade organizada económico-financeira.

 

 

Como podem ser realizadas as denúncias

Para além do canal de denúncia interna, o denunciante pode ainda recorrer a canais de denúncia externa ou à divulgação pública, sendo, no entanto, privilegiada a denúncia interna.

O recurso ao canal de denúncia externo só pode ocorrer quando:

      i.     Não exista canal de denúncia interna;

    ii.     O canal de denúncia interna admita apenas a apresentação de denúncias por trabalhadores, não o sendo o denunciante;

   iii.     Tenha motivos razoáveis para crer que a infração não pode ser eficazmente conhecida ou resolvida a nível interno ou que existe risco de retaliação;

   iv.     Tenha inicialmente apresentado uma denúncia interna sem que lhe tenham sido comunicadas as medidas previstas ou adotadas na sequência da denúncia nos prazos legalmente previstos; ou

    v.     A infração constitua crime ou contraordenação punível com coima superior a 50 000€.

 

As denúncias externas são apresentadas às autoridades que, de acordo com as suas atribuições e competências, devam ou possam conhecer da matéria em causa na denúncia, incluindo: o Ministério Público; os órgãos de polícia criminal; o Banco de Portugal; as autoridades administrativas independentes; os institutos públicos; as inspeções-gerais e entidades equiparadas e outros serviços centrais da administração direta do Estado dotados de autonomia administrativa; as autarquias locais; e as associações públicas.

 

O recurso à divulgação pública só pode ocorrer quando o denunciante:

      i.     Tenha motivos razoáveis para crer que a infração pode constituir um perigo iminente ou manifesto para o interesse público, que a infração não pode ser eficazmente conhecida ou resolvida pelas autoridades competentes, atendendo às circunstâncias específicas do caso, ou que existe um risco de retaliação inclusivamente em caso de denúncia externa; ou

    ii.     Tenha apresentado uma denúncia interna e uma denúncia externa, ou diretamente uma denúncia externa nos, sem que tenham sido adotadas medidas adequadas nos prazos legalmente previstos.

 

Proteção do denunciante

Este regime determina a proibição de atos de retaliação contra o denunciante, isto é, atos ou omissões (incluindo ameaças e tentativas) que, direta ou indiretamente, ocorrendo em contexto profissional e motivados por uma denúncia interna, externa ou divulgação pública, causem ou possam causar ao denunciante, de modo injustificado, danos patrimoniais ou não patrimoniais.

Presumem-se motivados pela denúncia, até prova em contrário, quando praticados até dois anos após a mesma:

      i.     Alterações das condições de trabalho, tais como funções, horário, local de trabalho ou retribuição, não promoção do trabalhador ou incumprimento de deveres laborais;

    ii.     Suspensão de contrato de trabalho;

   iii.     Avaliação negativa de desempenho ou referência negativa para fins de emprego;

   iv.     Não conversão de um contrato de trabalho a termo num contrato sem termo, sempre que o trabalhador tivesse expectativas legítimas nessa conversão;

    v.     Não renovação de um contrato de trabalho a termo;

   vi.     Despedimento;

 vii.      Inclusão numa lista, com base em acordo à escala setorial, que possa levar à impossibilidade de, no futuro, o denunciante encontrar emprego no setor ou indústria em causa;

viii.     Resolução de contrato de fornecimento ou de prestação de serviços;

   ix.     Revogação de ato ou resolução de contrato administrativo, conforme definidos nos termos do Código do Procedimento Administrativo.

 

Por outro lado, a sanção disciplinar aplicada ao denunciante após a denúncia presume-se, até prova em contrário, abusiva.

 

Regime contraordenacional

A violação das obrigações decorrentes deste regime legal (incluindo a tentativa e a negligência) é punida com coima cujo valor pode variar entre os 1.000€ e os125.000€, no caso das pessoas coletivas, e os 500€ e os 12.500€, no caso das pessoas singulares, para contraordenações graves; e entre os 10.000€ e os250.000€, no caso das pessoas coletivas, e entre os 1.000€ e os 25.000€, no caso das pessoas singulares, para contraordenações muito graves.

Estas contraordenações são processadas e as coimas aplicadas pelo Mecanismo Nacional Anticorrupção.

 

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